Concebido para ser publicado diretamente na televisão, foi produzido com
baixo orçamento. Talvez por isto sua história tenha sido desdobrada com
apenas quatro personagens, pouquíssimos efeitos de tela e nenhuma
filmagem externa. Isto não diminuiu sua beleza fotográfica, idealizada
por Sven Nykvist, que consegue traduzir de maneira excepcional a psiquê
comprimida dos personagens. O filme conta, ainda, com a participação do
próprio Bergman, no papel de um padre, que aparece em apenas uma cena e
não possui nenhuma fala.
As cenas de Bergman, desta forma, comportam-se como uma sequência de reflexões acerca do papel da arte e dos artistas no mundo.
A impressão passada pelo filme é a de que o conceito de arte trabalhado
por Bergman aproxima-se muito daquele cunhado pelos surrealistas
franceses do último século. Nos Manifestos do Surrealismo Breton e seus
companheiros afirmavam a necessidade de uma arte libertária, capaz de
construir mitos que reencantassem o mundo aos homens. Uma tentativa de
destruir a "gaiola de aço" da racionalidade burguesa, imposta pela
lógica mercantil, de reencontrar o lugar da imaginação, da inventividade
e da psiquê humana, de uma forma que pudesse expressar-se livremente,
sem as constrições impostas pela sociabilidade do capital.
Não
por acaso, a história do grupo Surrealista francês confunde-se com a da
esquerda francesa do século XX. Estando entre os artistas organizados
que se filiaram ao comunismo, o surrealismo também esteve entre os
primeiros segmentos a romperem com a lógica stalinista dos Partidos
Comunistas degenerados pela burocratização soviética. Quanto a Bergman,
sua atividade política não esteve entre seus principais feitos, o que
fez restar poucas informações acerca da mesma. De qualquer maneira,
talvez instintivamente, o conceito artístico passado pelo cineasta sueco
demonstrou-se idêntico, no essencial, ao dos artistas franceses da
década de 1930.
Assim, é possível notar como a arte, representada
pelos artistas de Bergman, repudia de maneira impulsiva a racionalidade
burguesa, representada pelo juiz.
O mais impressionante aspecto de aproximação entre Bergman e os
Surrealistas é a forma como concebe a arte como uma maneira profana de
iluminar o saber humano. O Surrealismo cunhou o conceito de "iluminação
profana" que deveria servir mesmo como uma corruptela da iluminação
religiosa. Desta maneira, a arte, constituída pelos mitos
conscientemente criados pelo artista, deveria servir para iluminar a
realidade frente aos homens.
Fonte: http://antesquixote.blogspot.com.br/2009/01/o-rito-de-ingmar-bergman.html
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